É só impressão minha, ou está cada vez mais difícil ouvir plurais ortodoxos? Aqueles de antigamente, arrematados com um ''s'' - plurais tradicionais, quatrocentões? Os plurais agora estão cada vez mais enrustidos, dissimulados, problemáticos. Cada vez menos plurais são assumidos. Os plurais agora precisam ser subentendidos.
Verdade seja dita: não somos os únicos no mundo a ter problemas com a maldita letra ''s'' no final das palavras. Os franceses, debaixo de toda aquela empáfia, há séculos desistiram de pronunciar o ''s'' dos plurais. No francês oral, o plural é indicado pelo artigo, e pronto. Ou seja: eles falam ''as mina'' e ''os mano'' desde que foram promovidos de gauleses a guardiães da cultura e da civilização.
Os italianos também não podem com a letra ''s'' no fim das palavras. Fazem seus plurais em ''i'' e em ''e'', dependendo do sexo, ops, do gênero das palavras. Quando a palavra é estrangeira, entretanto, eles simplesmente desistem de falar no plural: decretaram que termos forasteiros são invariáveis, e tudo bem. Una foto, due foto; una caipirinha, quattro caipirinha. Quattro caipirinha? Hic! Zuzo bem!
Práticos são os indonésios, que formam o plural simplesmente duplicando o singular: gado-gado, padang-padang, ylang-ylang. Pelo menos foi isso que eu li uma vez. (Claro que não chequei a informação. Eu detestaria descobrir que isso não é verdade.) Já pensou se a moda pega aqui, feito aquele pavoroso cigarro de cravo? Os mano-mano. As mina-mina. Um chopps e dois pastel-pastel.
Nem mesmo nossos primos de fala espanhola escapam da síndrome dos comedores de plural. Os andaluzes e praticamente todos os latino-americanos também não são muito chegados a um ''s'' final. Em vez do ''s'' ríspido e perigosamente carregado de saliva dos madrilenhos (que chiam quase tanto quanto os portugueses), eles transformaram o plural num acontecimento sutil, perceptível apenas por ouvidos treinados. Em Sevilha, Buenos Aires ou em Santo Domingo , o ''s'' vira um ''h'' aspirado – lah cosah, lah personah, loh pluraleh.
Entre nós, contudo, a mutilação do plural não tem nada a ver com sotaques ou incapacidade de pronunciar fonemas. Aquiem São Paulo , a falta de ''s'' é um fenômeno sociocultural. Os pobres não falam no plural por falta de cultura. Da classe média para cima, deixamos o plural de lado quando há excesso de intimidade. É como se o plural fosse algo opcional, como escolher entre ''você'' e ''o senhor''. Se a situação exige, você vai lá e aperta a tecla PLURAL. Se a conversa for entre amigos, basta desligar, e os esses desaparecem em algum ponto entre o cérebro e a boca.
Entre nós, contudo, a mutilação do plural não tem nada a ver com sotaques ou incapacidade de pronunciar fonemas. Aqui
O que se deve fazer? Uma grande campanha educativa, com celebridades declarando que é chique falar os plurais? Lançar pagodes e canções sertanejas falando da dor-de-cotovelo causada por não usar ''s'' no final das palavras? Ou contratar um grupo de artistas alternativos para sair pichando nos muros por aí uma mensagem subversiva? Tipo assim: OS MANOS E AS MINAS.
(Ricardo Freire - Cadê os plural?)
O Brasil segue o mesmo rumo dos países citados por Ricardo Freire. A "despluralização" é hoje um fenômeno que nenhuma regra consegue impedir. E não adianta afirmar que é um fator sócio-cultural das camadas mais baixais que não tiveram oportunidade, afinal, quem nunca ouviu corriqueiramente qualquer pessoa de seu meio falar "É 10 Real"?
A norma culta nos ensina que é errado. E que a linguagem coloquial pode até ser discordante de número e gênero, mas a formal e a escrita, não. Mas então surge uma nova tendência: o preconceito linguístico e seus combatentes. Em muitos casos, afirmam que não devemos corrigir os "deslizes" (ou erros, para quem preferir) da linguagem coloquial. E assim, o próprio MEC resolve adotar um livro que ensina que “os menino pega o peixe” não é errado.
Foi a primeira grande discussão do tema no país. E então? Falar errado pode ou não pode? Bom... decidiu-se que poder, pode. Mas ensinar assim em escolas, jamais. O mesmo para a linguagem culta e escrita. Mas também não é de consenso geral. Olha o preconceito! E agora? Agora vemos uma acalorada guerra que ainda vai levar muitos anos e, provavelmente, não trará vencedores. Pelo menos não no âmbito formal.
Mas dessa discussão surgiu uma questão interessante: a inversão de valores. Ou melhor, a inversão de preconceitos. Uma colega minha da pós disse: "muitos sabem exatamente qual é a concordância correta em determinada situação, mas preferem não utilizá-la para não serem “diferentes” ou não parecerem “ridículos” dentro do contexto".
Concordo, Denise. Há um preconceito linguístico aí que parte da linguagem coloquial e avança para a formal. Mas desse, quase ninguém trata. Sim, é preciso haver uma adequação entre o falar e o escrever e, acima de tudo, deve haver respeito entre os interlocutores, porque criticar "as mina" é preconceito, mas falar "as meninas" é chato e ultrapassado.
A "despluralização" existe e é um processo praticamente impossível de ser freado. Não é uma questão de fala simplesmente. Vai além: é a cultura de cada parte do país, das diferenças de classes e de muitos outros fatores. Em breve, quem sabe, nossos plurais serão formados apenas flexionando os artigos e "os mano" será considerado certo na norma culta. Mas ainda não é o caso. Há sim que se respeitar as diferenças, mas também há que se cobrar na formalidade, na escrita, o emprego correto de nossa língua.
Muito bom!!!
ResponderExcluirAMEI
smacks
@vampireska
Sim, é triste ver como quase ninguém mais respeita o português correto, e os que respeitam, são criticados e/ou chamados de "estranhos".
ResponderExcluirTudo bem falar errado com os amigos, já que há pessoas que "cansam" de falar correto o dia inteiro, todavia, quanto mais as pessoas aderirem a esse hábito, mas o português estará sumindo.
Todos devem ter o discernimentos entre falar e escrever, não é a mesma coisa, como muitos pensam. Falar errado, até que vai, mas escrever errado, não colocando os plurais,daí já é atentado contra a nossa língua.
Mas com o passar do tempo, quem sabe a humanidade não retoma a consciência?
Sensacional minha querida.
ResponderExcluirVocê é excepcional.