sexta-feira, 15 de abril de 2011

Contos & Crônicas: Sob as estrelas

Ela já não sabia mais como agir... Tudo parecia estranho. Todos pareciam desconhecidos. Por que sentia não mais pertencer àquele mundo? Não sabia a resposta dessa pergunta.

Todos os dias acordava desejando que a noite chegasse logo. A noite.. Sua única companheira. Nem se lembrava mais da última vez que tinha saído à luz do sol. Seriam três, quatro anos? Na verdade isso não importava. Tudo o que ela queria era evitar as pessoas. Mas à noite era diferente. Era quase um outro universo.

Sob as estrelas, andava sem rumo pela cidade. Conheceu cada beco, cada esquina, cada ruela e todo tipo de gente: bêbados, drogados, prostitutas. Era diferente e atrativo. Teve uma época em que ela até mesmo pensou em se juntar a essas pessoas. Começou com bebedeiras que a deixavam na cama por dias inteiros. Depois conheceu a cocaína. Era quase o paraíso. A sensação de liberdade, de poder que experimentava era incrível. Mas então vinha a queda da viagem e tudo parecia pior.

Foi numa dessas voltas à realidade que ela percebeu que aquilo era uma grande perda de tempo... Com muito esforço, deixou os vícios de lado... Na verdade, não tanto esforço assim: sua dependência era muito mais psicológica do que metabólica. Então veio a grande questão: o que fazer em seguida?

Queria uma coisa diferente, com certeza. Decidiu viajar. A mãe, já de certa idade, tinha por hábito deixar economias guardadas em casa, dentro de um pote, na última gaveta do armário. Não teve dúvidas: sem permissão, apoderou-se do dinheiro guardado por toda uma vida e, sem avisar a ninguém, colocou uma mochila nas costas e o pé na estrada.

Não olhou para trás. Só seguia em frente. Tudo o que queria era preencher o imenso vazio que tomava conta de seu interior...

Passou alguns meses assim: de cidade em cidade e até mesmo em alguns países vizinhos. E no final, encontrou a mesma coisa: pessoas insatisfeitas com a vida, fingindo uma felicidade. Decepcionou-se e voltou p/ casa.

Descobriu que a mãe enfartara e falecera assim que soube que ela tinha ido embora. Ótimo. Mais uma culpa para carregar... Seu pai não a deixou ficar em casa. Teve que procurar um lugar p/ morar. Por sorte, uma amiga estava indo passar um tempo estudar na europa e ofereceu a casa. Em troca, ela deveria cuidar do apartamento.

Mudou-se. Agora a vida estava pior: todos que antes a consideravam amiga, já não lhe procuravam mais por causa de seu desaparecimento repentino e por julgarem-na culpada pela morte da mãe. Desanimada, passou a não sair até mesmo de noite. Ficava o tempo todo trancada no quarto.

Com o tempo, passou a evitar completamente as outras pessoas. Não confiava mais nelas e não sentia falta de companhia. Mentira... Sentia sim, mas não queria admitir. Até porque, não faria diferença nenhuma.

Seu mundo era sua mente, onde criava ilusões de felicidade. Quase não se levantava da cama, quase não comia e mal se lembrava de tomar banho. A única coisa que a animava eram as noites estreladas... As estrelas. Sob as estrelas, o mundo parecia mais bonito, mais simples.

Agora, ela estava olhando p/ estrelas mais uma vez. Um leve sorriso brotava em seu rosto. Não ouvia as sirenes à sua volta, os bombeiros que tentavam, em vão, falar com ela. A multidão que se aglomerava.

Não sentia mais dor. Nem medo. Não sentia nada, nem mesmo a poça de líquido quente que se formava em volta do seu corpo. Olhando p/ alto ela podia ver a janela do sexto andar com o vidro que se quebrou na hora que ela pulou.

Mas isso agora não importava. Via as estrelas e sabia que, em pouco tempo, estaria com elas. Sorriu de novo. Fechou os olhos pela última vez e mergulhou na escuridão.

Um comentário:

  1. Nossa, essa história foi intrigante! Final trágico, mas não menos cotidiana no contexto da personagem! Bjus te adoro...

    Anjo Gótico

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