sábado, 21 de maio de 2011

Contos & Crônicas: O Fracasso do Sucesso

Nada.

Simplesmente o Nada. É isso que percebo cada vez que olho em volta... “O futuro não é mais como era antigamente”. Não tenho mais o mesmo brilho nos olhos, a mesma esperança. Alguma coisa em mim mudou. Não sei exatamente o que, mas mudou... Também não sei dizer se p/ melhor ou p/ pior. Só sei que essa mudança me afastou de tudo; até dos meus amigos. Cadê aquela garota popular da escola com seus 16 anos? Transformou-se em uma mulher deprimida e solitária...

E agora? O que devo fazer? Não sei... Tudo parece tão vazio, tão sombrio. As sombras... São tão convidativas. Às vezes sinto um desejo irresistível de me entregar a elas... Mas p/ quê? Seria mesmo uma solução? Acho que não... Só conseguiria me tornar um tormento maior para quem ainda está ao meu lado.


Seus pensamentos foram interrompidos pelo toque do celular. Atendeu:

- Paula falando.

- Boa noite, senhora Paula. Meu nome é Ricardo e sou consultor da Tim. Estou ligando para oferecer um plano...

- Não estou interessada.

Desligou. Suspirou fundo. Afinal, quem ela achava que ia ligar? Ninguém mais se lembrava dela. Nem os amigos. Os poucos que ainda restavam nunca a procuravam e quando ela ligava, inventavam uma desculpa para cortar a chamada o mais rápido possível.

Ela riu. Riu de sua própria desgraça; de sua sina. Como tudo podia ter mudado tão rápido? Sempre fora tão alegre e festeira, rodeada de gente. Agora, só as almofadas da cama lhe faziam companhia.

Olhou para o relógio: 21h. Era sexta à noite. Todo mundo devia estar se arrumando para a balada. Menos ela. Já estava com sua camisola velha, a roupa ideal para seu programa de final de semana: internet.

Abriu o lap top que estava ligado sobre a cama. Fez log in no twitter. A conexão estava meio lenta. Correu os olhos pelo quarto enquanto esperava. Era espaçoso e moderno, como ela sempre quis. Mas não tinha ninguém para dividir sua cama King Size... Voltou à atenção ao monitor. Sua página pessoal já estava aberta. Nenhuma nova mensagem, nem pública, nem privada. Digitou:

- Alguém aí a fim de conversar?

Levantou-se e foi até a cozinha buscar um pouco de sorvete de flocos com calda de chocolate. Ok. Não era exatamente um pouco, mas sim uma taça de quatro bolas. A vida tinha que ter algum prazer. Ou não? Serviu-se e abriu um sorriso ao colocar a primeira colherada na boca. Estava uma delícia.

Encostou-se na bancada. Apenas a luz da geladeira aberta iluminava o cômodo. Paula morava sozinha há três anos. Era um apartamento moderno, funcional e aconchegante no melhor ponto da cidade. Batalhou muito p/ conquistar sua independência. Fez questão de nunca precisar de ninguém p/ nada. Tanto que nunca pedia ajuda. Agora, era ela quem era deixada de lado. Não queria pensar nisso. Não agora. Sabia que a noite sempre lhe trazia mais forte a sensação de solidão. Se começasse a chorar não pararia tão cedo.

A taça estava vazia. Serviu-se de um pouco mais de sorvete. Guardou o pote e a calda de chocolate na geladeira e voltou p/ quarto.

De novo na cama, em frente ao pequeno computador, checou se havia resposta a sua mensagem. Nenhuma. Mandou-a novamente. A todo o momento sua tela pipocava com atualização das pessoas que ela seguia. Havia, pelo menos, umas 30 conectadas, mas nenhuma respondeu ao convite.

- Vai ver não leram. É tanta gente na página...

Queria enganar a si mesma. Enquanto aguardava uma resposta que provavelmente não viria, abriu quatro guias do navegador: uma para cada um dos seus blogs favoritos. Gostava de amenidades, principalmente piadas, para relaxar depois de um longo dia de trabalho.

Perdeu-se no tempo dando risadas sozinha. Sua voz ecoava no ambiente vazio. Pela janela, ouvia jovens animados e música dançante. Resolveu ignorar: aquilo jamais seria sua vida novamente. Voltou aos sites. Quando seus olhos começaram a arder, checou as horas novamente: 00h33. E sua mensagem no twitter continuava sem resposta.

Desligou o computador. Deitou-se. Tateando a mesa de cabeceira, pegou um livro que estava acompanhando: “A misteriosa chama da rainha Loana”, de Umberto Eco. O autor era realmente um fenômeno em lingüística e análise de discurso, embora pelo menos 90% das pessoas que ela conhecia não sabia quem ele era e muito menos tinha ouvido falar sobre o assunto na vida.

Tentou se concentrar, mas a todo o momento se perdia em devaneios lembrando-se de sua jornada. Nos últimos cinco anos tudo que tinha feito era p/ conseguir se tornar alguém melhor, conquistar seus objetivos. Queria ser uma pessoa de sucesso, bem resolvida financeiramente e cercada com seus amigos de sempre. A única coisa que conseguiu foi o dinheiro. Trabalhou arduamente dia e noite (muitas vezes madrugadas também) para crescer na vida. Mas hoje, sentia que não tinha nada. Ironicamente, até seu gato tinha fugido. Ainda bem que almofadas não tem pernas...

Chorou. Como muitas outras vezes. Desesperadamente. Não tinha esperanças. Soluçava alto. Dentro de si, sentia um vazio que jamais seria preenchido. Queria gritar, bater, quebrar alguma coisa, mas sabia que não podia. Fincou as unhas nos braços e arranhou-se forte. De alguma forma, a dor física aliviava a dor que não podia tocar, que não podia apagar...

O pranto aumentara. Paula não aceitava o fato de não conseguir se controlar. Sabia que era a única que podia aliviar tudo o que sentia e, por isso mesmo, julgava-se fraca e inútil. Tinha fracassado. Arranhou-se mais forte. Meu Deus, como era infantil e burra e imatura e... tudo. Ou nada.

Uma pequena gota de sangue surgiu no braço direito. Por quê? Por que se feria? Por que se machucava mais? Será que era para se condenar? Cumprir alguma pena que ela mesma havia se imposto? A cabeça girava num turbilhão de pensamentos e dúvidas.

Aos poucos foi se acalmando. Respirou fundo. Secou as lágrimas com a ponta do lençol e tomou um gole d’água do copo que estava na mesa de cabeceira. Checou a hora novamente: 02h14. Como estava tarde! Precisava dormir. Apagou a luz e fechou os olhos. Lutou contra os pensamentos que surgiam.

- Esvazie a mente. Está na hora de descansar o corpo.

E, com esse comando dado por si, entregou-se aos poucos ao sono que iria com certeza descansar seu corpo, mas não sua alma. Mas ainda assim precisava dormir. Afinal, amanhã é sábado e ela precisa acordar cedo para trabalhar...

4 comentários:

  1. Olá! Tinha visto uma história sua na animespirit e adorei, mas nao podia comentar sem ter registro lá e admito que a preguiça de fazer um cadastro pra comentar me venceu, mas vi que tinha o link pr seu blog, então resolvi conhecer.
    Adorei e gostaria de cumprimentar vc pelos textos. Excelentes! Sempre que eu puder venho ver se há coisas novas! ^.^

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  2. Excelente qualidade. Sempre é bom vir te ler.

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  3. parabens pelo texto! isso acontece todo dia com varias pessoas em todo o mundo, e por ser tao comum aspessoas ignoram e outras se entregam a subterfugios. nada mais triste do q a solidao, ela é um veículo q teima em nos levar a varios momentos da nossa vida , e geralmente : momentos tristes . as vezes me sinto assim .

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  4. Me identifiquei muito com seu texto, ainda mais na marcante frase "Tudo parece tão vazio, tão sombrio. As sombras... São tão convidativas..."
    achei legal por que eu as vezes me vejo na mesma situação.
    Poderia dizer que são fazes....fazes aparentemente eternas.
    A vida parece um grafico de linha.....altos e baixos....muitos baixos e poucos altos

    por que pra mim...a vida nao é uma historia feliz de momentos tristes, e sim uma historia triste de momentos felizes.

    Kelvin
    http://2indices.blogspot.com/

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