quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Escangalhado


"O orelhão tá escangalhado". "Tá o quê?" Eu tinha nove anos, acabado de mudar do Rio para Brasília. Uma colega da escola queria ligar para a mãe e nós fomos até o telefone do pátio. "Tá estragado". "Mas você disse outra coisa". "Escangalhado, estragado. Nunca tinha ouvido?" "Não, que palavra esquisita". Na hora eu achei estranho e fui para casa pensando naquilo. Não é que ela tinha razão? Era mesmo uma palavra esquisita...

Comecei então a perceber que muitas pessoas davam nomes diferentes às coisas. Como eu passava a maior parte do tempo no colégio, era lá que eu descobria um mundo todo novo. Uma vez no recreio-intervalo, uma colega levou de merenda-lanche uma tangerina. "Adoro tangerina!" "É mexerica", ela me corrigiu. Outra, mais vivida - ou achava porque já tinha morado em três estados - explicou "na verdade existe tangerina, mexerica e pocan. São três frutas". Enquanto discutíamos sobre como chamar a dita cuja ao invés de comê-la, um amigo gaúcho se aproximou "oba! Adoro bergamota". Na hora pensei "fudeu..."


Daí para frente deixei de tentar determinar uma nomenclatura certa para as coisas e aprender as diversidades entre os estados. E vou te contar: Brasília é o lugar ideal para isso. Aqui tem gente de todo lugar. Lembro quando me mudei para cá em 1994 saiu na Capa do Correio "Primeira avó brasiliense". Isso mesmo: primeira pessoa que tinha nascido na cidade e tinha tido filho e neto. Nunca me esqueço disso! Achei engraçadíssima a notícia! Jamais imaginei ver uma coisa dessas estampada em um jornal do Rio ou São Paulo, por exemplo. 

Outra história que com certeza contarei aos meus sobrinhos (!) é que fui a primeira moradora da minha rua. Lembro da minha bisavó dizendo para mim "quando eu era criança, isso aqui era tudo mato". Um dia, vou dizer isso também... Bem provinciano, não?


Ok, fugi do foco. Essa enrolação toda é só para você, querido leitor, ter noção de como a cidade é nova. Uma cinquentona, engatinhando birrenta e catarrenta perto das adolescentes metrópoles do resto do Brasil. Por isso, grande parte da população não nasceu aqui. Então é muito natural conhecermos dois gaúchos, quatro cariocas, três paulistas, dois paraibanos... Conheço gente até de Rondônia (não quis ser clichê e falar do Acre). E assim vamos ouvindo e nos acostumando a todo tipo de palavreado. Mas confesso que meus favoritos são os nordestinos e os sulistas! Como são ricos os regionalismos deles! E não me "avexo" mesmo: quando escuto uma palavra nova, pergunto o que é. Sempre é bom aprender.

E com o tempo a gente vai introduzindo coisas novas a nossa linguagem. "Trocador" agora é "cobrador", "ponto" virou "parada" e até meu "escangalhado" (quem diria!) se transformou em "estragado". Mas a "tangerina" e o "aipim" não! Esses são meus e ninguém tasca!







7 comentários:

  1. Oooiiii! Amei seu blog!!!! Ahhh... E o mais interessante para os que nascem aqui é que crescemos achando normal que as coisas tenham 2, 3 nomes diferentes. Fora as reuniões em locais como bares e shoppings que em cada canto é é um tipo de sotaque... Uma delícia!

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  2. muito boa mais cade minha bahia um abraço

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  3. Durantes os anos de 2005 a 2010 viajei muito a trabalho. Conheci vários lugares que jamais imaginei um dia conhecer. Nessas viagens, observei usos e costumes de cada lugar. Conclui que Brasília permiti viajar por vários estados sem ter que sair dela (Brasília). Se quero comer uma boa comida nordestina, sei onde posso ir; se quero comer um bom churrasco, temos excelentes churrascarias comandadas por gaúchos; se quero um bom vatapá, também existem opções. E assim é para muitas outras coisas. Essa diversidade cultural que existe em Brasília permiti a nós essa oportunidade de conhecer um pouquinho de tudo. Abraço!

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  4. Não acredito que na escola quando ouviu de algum provável coleguinha: "Vou pegar meu camelo pra gente ir", pensou O QUE?? CAMELO! e na verdade era só a bicicleta. Ou também deve ter andado de baú, imagino eu. Hoje claro que já conheçe todas as girias do DF, mas pros que não conhecem se torna um fato bem cômico.
    Uma ultima coisa, qual foi sua reação ao descobrir que o sacolé aqui é dindin?
    beijão!

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  5. KKKKKKKKKKKKK lembrei de tanta coisas agora!! e esse texto mostra mesmo regionalismo que temos!!! adorei!! afinal aqui em Brasília quando vc diz menina vc está assanhada que dizer paquerador etc... e no nordeste as pessoas usam para dizer que seu cabelo está todo bagunçado!!

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  6. Adorei Camila. É bem assim mesmo. Aqui em Recife a gente anda ouvindo muitos sotaques de turistas e agora (com as obras grandes) de novos moradores, mas nada tão 'mistico' como na Capital do País, onde tantos vão se aventurar.
    E pra 'engrossar o caldo' e te deixar mais 'avexada' na minha terra tua 'tangerina' se chama 'laranja cravo'. ;)
    Um cheiro pra tu!

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  7. "CARACA, VÉIO!"Esse texto está SHOW! Bem escrito, interessante, dá vontade da segunda parte!!!!!!

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